Não sei se ultimamente têm marcado presença em urgências hospitalares - não que seja uma prática minha - mas na semana passada estive numa e depois de ter papado todos os artigos de uma revista Visão (incluindo uma peça fascinante sobre as excentricidades dos mais afamados
chefs portugueses), entrevive-me a observar o ambiente que me rodeava.
Aposto que muitos dos guionistas das novelas dos nossos canais generalistas buscam inspiração em locais destes.
Ora vejamos - existe sempre um mau que quer sempre que os seus interesses se sobreponham ao bem estar de toda e qualquer pessoa, não importando como.
Nas urgências, temos "teatros" semelhantes, passo a exemplificar com uma cena que assisti.
Entre muitas pessoas encontra-se na triagem um casal, acompanhado por um filho de meia idade, claramente com um atraso mental (ou então era simplesmente tratado como tal pelos pais).
Chegam 3 ambulâncias com atropelamentos - como é óbvio passaram à frente de todos os que se encontravam a aguardar a sua vez.
O casal começa a mandar bocas entre si criticando esta situação (há que referir que nestes casos o mandar de bocas nunca é uma conversa entre as duas pessoas,
normalmente processa-se num tom de voz suficientemente audível por quem quer que seja que se destine).
"Estivemos no hospital Amadora Sintra que nos enviou para este de urgência"
E eu respondo:
-O hospital Amadora Sintra mandou-vos para este de emergência porque provavelmente já estava farto de vocês. E estão nas urgências porque a esta hora da noite não há outros serviços abertos que vos atendam sem marcação. 80% das pessoas que aqui estão não são urgências e poderiam esperar até amanhã para serem atendidos - em vez disso, estão a entupir e a atrasar o atendimento das verdadeiras urgências e é esse o motivo pelo qual se consomem os serviços de pelo menos uma funcionária para fazer triagem.
"É inadmissível, têm estado a passar-nos à frente"
-Têm estado a passar-vos à frente pessoas que se encontram em situações críticas e não, como é o caso, uma inflamação no ouvido. Poderão vir a ter a sorte de que algum deles entre em paragem cardíaca e nesse caso, deixam de ser prioritários. E também porque o atendimento na morgue é bastante mais ordeiro - sem pressas...
"Filho, diz que já não aguentas mais a ver se nos atendem"
-É graças a este pensamento que uma sala de espera das urgências se assemelha, em termos sonoros, a despojos de um bombardeamento com estropiados por todos os lados...
Há outro fenómeno que me faz esboçar um sorriso que é o facto de se querer deixar bem claro que a pessoa que estamos a acompanhar ou o próprio são as pessoas em piores condições daquele espaço.
E como fazemos isso?
Telefonamos.
E falamos alto, para toda a gente ouvir que o médico disse que a forunculite que a Melinha tem na virilha é das piores que viu nos últimos tempos, que tem que ser lancetado e tomar antibióticos para reduzir a infecção,e que no caso de voltar, teria que ser feita uma pequena cirurgia (esta palavra é sempre sinónimo de gravidade, mesmo que antecedida pela palavra "pequena").
No fim da noite, fiquei a conhecer em pormenor o estado das doenças e os diagnósticos de praticamente todas as pessoas presentes naquela sala, bem como, o nome de todos os parentes e amigos mais próximos dos mesmos - há lá melhor sítio para mergulhar de forma gratuita na intimidade das pessoas?
Melhor só mesmo colocando cameras escondidas nas casas de banho e quartos,
but then again, a curiosidade mórbida não justifica queimar a retina com imagens de idosos com excesso de peso em pêlo...