quarta-feira, 18 de março de 2009

Diga trinta e três

Não sei se ultimamente têm marcado presença em urgências hospitalares - não que seja uma prática minha - mas na semana passada estive numa e depois de ter papado todos os artigos de uma revista Visão (incluindo uma peça fascinante sobre as excentricidades dos mais afamados chefs portugueses), entrevive-me a observar o ambiente que me rodeava.

Aposto que muitos dos guionistas das novelas dos nossos canais generalistas buscam inspiração em locais destes.

Ora vejamos - existe sempre um mau que quer sempre que os seus interesses se sobreponham ao bem estar de toda e qualquer pessoa, não importando como.

Nas urgências, temos "teatros" semelhantes, passo a exemplificar com uma cena que assisti.

Entre muitas pessoas encontra-se na triagem um casal, acompanhado por um filho de meia idade, claramente com um atraso mental (ou então era simplesmente tratado como tal pelos pais).

Chegam 3 ambulâncias com atropelamentos - como é óbvio passaram à frente de todos os que se encontravam a aguardar a sua vez.

O casal começa a mandar bocas entre si criticando esta situação (há que referir que nestes casos o mandar de bocas nunca é uma conversa entre as duas pessoas,
normalmente processa-se num tom de voz suficientemente audível por quem quer que seja que se destine).

"Estivemos no hospital Amadora Sintra que nos enviou para este de urgência"

E eu respondo:

-O hospital Amadora Sintra mandou-vos para este de emergência porque provavelmente já estava farto de vocês. E estão nas urgências porque a esta hora da noite não há outros serviços abertos que vos atendam sem marcação. 80% das pessoas que aqui estão não são urgências e poderiam esperar até amanhã para serem atendidos - em vez disso, estão a entupir e a atrasar o atendimento das verdadeiras urgências e é esse o motivo pelo qual se consomem os serviços de pelo menos uma funcionária para fazer triagem.

"É inadmissível, têm estado a passar-nos à frente"

-Têm estado a passar-vos à frente pessoas que se encontram em situações críticas e não, como é o caso, uma inflamação no ouvido. Poderão vir a ter a sorte de que algum deles entre em paragem cardíaca e nesse caso, deixam de ser prioritários. E também porque o atendimento na morgue é bastante mais ordeiro - sem pressas...

"Filho, diz que já não aguentas mais a ver se nos atendem"

-É graças a este pensamento que uma sala de espera das urgências se assemelha, em termos sonoros, a despojos de um bombardeamento com estropiados por todos os lados...

Há outro fenómeno que me faz esboçar um sorriso que é o facto de se querer deixar bem claro que a pessoa que estamos a acompanhar ou o próprio são as pessoas em piores condições daquele espaço.

E como fazemos isso?

Telefonamos.

E falamos alto, para toda a gente ouvir que o médico disse que a forunculite que a Melinha tem na virilha é das piores que viu nos últimos tempos, que tem que ser lancetado e tomar antibióticos para reduzir a infecção,e que no caso de voltar, teria que ser feita uma pequena cirurgia (esta palavra é sempre sinónimo de gravidade, mesmo que antecedida pela palavra "pequena").

No fim da noite, fiquei a conhecer em pormenor o estado das doenças e os diagnósticos de praticamente todas as pessoas presentes naquela sala, bem como, o nome de todos os parentes e amigos mais próximos dos mesmos - há lá melhor sítio para mergulhar de forma gratuita na intimidade das pessoas?

Melhor só mesmo colocando cameras escondidas nas casas de banho e quartos, but then again, a curiosidade mórbida não justifica queimar a retina com imagens de idosos com excesso de peso em pêlo...

11 comentários:

Anônimo disse...

Eu gosto particularmente da modalidade "as minhas maleitas são piores que as tuas e é até um pequeno milagre ainda estar viva tal é a minha desgraça" que tanto se pratica em salas de espera por esse país fora e na qual as pensionistas são excelsas. Falo no feminino porque são, essencialmente, elas que aderem de forma maciça a essa prática. Os senhores estão, como é óbvio, a jogar à sueca no Jardim da Estrela.

A disse...

opá... o que eu ando a perder por não ficar doente! alguém me parte um braço? por favor?

tiagugrilu disse...

A,

Atravessa as passadeiras na Almirante Reis e pode ser que te faça esse favor...

tiagugrilu disse...

Sim, essa parte de sublinhar que "a minha saúde é muito mais importante do que a tua, porque é a minha saúde" é qualquer coisa de bonito.

A disse...

eu não sou de lisboa... já vos disse. dá-me outras opções.

CBlues disse...

Os homens é que a sabem toda. Quando for velhota, disfarçar-me-ei de idoso para poder usar o meu tempo livre de forma bem mais divertida e porque sempre quis espiar se os velhotes também esquinam as velhotas quando passam.
"Olhem-me só aquela marreca, se não tivesse esta artrite nas mãos, ia lá dar-lhe uma afagadela..."

CBlues disse...

Não ligues, a memória do Tiago já teve melhores dias. A analogia que posso fazer é tentares atravessar uma auto-estrada ou então desafiares a morte comendo bifanas em roulottes à beira da estrada...

grassa disse...

E o que estavas tu a fazer numas Urgências de um hospital com atropelamentos a entrar, hein?

CBlues disse...

Apetece-me de vez em quando frequentar esses sítios. Devo ter genes de abutre ou assim. Tiveram por várias vezes de me tirar de cima de pessoas acamadas porque já lhes estava a debicar os olhos.

tiagugrilu disse...

Tu foste EMO, não foste?

CBlues disse...

Epa, não, é pré-requisito ter sentimentos e tal. Eu não só sou um calhau como também não sou muito boa a manuesar facas.