Já não ai lá desde pequena.
Lembro-me vagamente de ser carnaval e estar mascarada de saloia, ou lavadeira, ou padeira, ou uma eira qualquer. Porque a minha mãe tinha a mania de todos os anos me alugar uma farpela diferente, mas que era estranhamente semelhante à do ano passado.
Desconfio que os proprietários do negócio tinham meia dúzia de peças que conjugavam de formas diferentes, juntavam um adereço e pronto, estava feito, passe para cá 5 contos e devolva segunda feira lavado se faz favor.
Apercebo-me disso quando revejo as minhas fotos de infância e constato que em todas elas pareço uma algarvia (não nego as raízes) mas com uma maquilhagem de pêga. E eu achava lindo.
Depois cresci e apercebi-me que sombra verde alface e batom vermelho puta devem apenas ser usadas em caso de estarmos com a nossa cara metade no carnaval de Torres Vedras, e onde a maquilhagem e a saia travada não estão a ser usadas por mim.
Com grande desgosto ia para a escola levando uma foice debaixo do braço um ramo de papoilas de plástico e espigas de trigo, enquanto as minhas colegas se pavoneavam em vestidos de damas antigas e fadinhas.
Todos os anos havia um concurso, que era sempre ganho por alguém com fatos mais chiques do que o meu.
Um ano, fiz a cabeça da minha mãe em água, pedindo-lhe um fato desses para o carnaval. Depois de ter apanhado sustos valentes comigo quando acordava de manhã e dava de caras comigo na cabeceira da cama, assentiu.
Porque sempre ganhei pelo cansaço, e quando se quer mesmo uma coisa há que começar logo de madrugada- que eu cá não gosto de perder tempo.
Nesse ano ganhei o concurso, vestida de dama antiga. O fato era muito bonito - pelo menos na altura pareceu-me,mas há pouco tempo revi as fotos...
Era também das coisas mais desconfortáveis que alguma vez usei. Levei o dia todo sem me poder sentar em condições, porque aquela treta tinha um ferro na parte de baixo.
Nesse dia desejei ardentemente ter de volta os fatos de gente da plebe.
Foi nesse dia que o conceito "o conforto não deve nunca ser sobreposto por nada" entrou na minha vida.
Maltrapilha? Até pode ser. Antes isso do que andar o dia todo como se estivesse enfiada numa camisa de amor próprio ou com os pés a chiar.
Isso está contra a nossa natureza. Por que raio fazemos isso a nós próprios? Apagar pontas de cigarros nas virilhas para fins recreativos, ainda vá, agora metermo-nos dentro de umas calças de ganga à custa de acrobacia? Gosto de respirar - é lúdico!
Mas o que é que estava mesmo a dizer?
Ah, já sei, estava a falar da minha ida ao jardim!
Assim que chegamos, deram-nos um mapa, que consultamos de imediato.
Haviam lemures e tigres e suricatas.
Alegrei-me e decidi deixar o melhor para o fim - mais ou menos como faço com a comida.
Depois de percorrermos todo o espaço fomos ver os predilectos.
Como as leis de Murphy são o sumo da minha existência, tive pouca sorte. Melhor, eu deveria ser uma lei de Murphy, a sério! Todos os acidentes físicos, mesmo os mais improváveis conseguem concentrar-se no meu espaço existencial. Não há bola que tenha estado no meu perímetro que não me tenha atingido na cara com aparato...
Adiante. Tive pouca sorte.
Os tigres estavam todos a dormir, por isso vi apenas a cauda de um que adormecera abraçado a uma árvore.
Quando cheguei à cerca dos lemures vi um.
Achei-o pequeno.
Depois outro.
Depois um grupo.
Depois olhei com atenção e eram ratazanas. Grandes!
Depois fugi e procurei consolo junto dos suricatas. Que não estavam lá! Porque havia obras.
Como podem ver, o plano de raptar algum destes espécimens saiu completamente gorado.
E eu que até tinha levado a minha mala grande!
Já de saída, já dando como mal empregue toda a tarde dispendida, tive a visão que fez tudo valer a pena.
Tenho mais um animal para juntar à lista. Lebre da Patagónia!
Anotem este nome. Esta mistura de coelho com cabrinha ainda vai ser minha.
Isto se não for atingida por algum relâmpago pelo caminho...
